domingo, 22 de julho de 2007

Papo de aranha (e, principalmente, de teias).

As teias de aranha são uma realização prodigiosa. Inúmeros fios entremeados que possuem a capacidade de reter o que por eles passa, resistindo na medida exata do cumprimento de suas finalidades. A aranha faz a triagem do que eles retêm: assimila ou descarta.

O que está além da capacidade da aranha, nem fica. Neste caso, os fios se rompem e as aranhas imediatamente procedem aos necessários reparos. Ou, se as circunstâncias exigirem, reconstroem novas teias em ambientes menos hostis ou mais promissores.

Se não houver uma aranha, entretanto, o que a teia retém não cumpre suas finalidades. E a teia abandonada logo estará desfeita ou terá esgotado sua capacidade de reter qualquer coisa.

Costumo enxergar nossos relacionamentos como teias e vejo em esquemas assim a solução para alguns dos problemas que nos afligem.

Pois bem, outro dia recebi a visita de uma aranha. No sentido metafórico, é claro. A Vera não se parece em nada com uma aranha. Dizem as boas línguas que ela se parece, mesmo, com a Xuxa. Louríssima e alto astral!

Eu nem sabia que a Vera existia, até dia desses. E também não sabia que a Léa existia. Mas ela existe, para a felicidade de todos. Foi conhecendo a Léa, ao telefonar para a Sucataria Nobre, que eu fiquei sabendo da Vera e que a Vera era a aranha que eu precisava. Mais que isto, a Léa fez a Vera telefonar para mim (milagres high tech, essas aranhas que até nos telefonam!).

E o fato da Vera estar sendo uma aranha me deixou muito feliz. E, por isso, eu lhe sou intensamente grata (é isso mesmo, não errei o português, é grata “de com força”). A Veraranha me permitiu voltar a fazer parte da grande teia que tenta preservar nosso planeta.

O que ela fez? Talvez seja pouco, para uns, ou muito, para outros como eu. Ela veio à minha casa e, carregando caixas e mais caixas escadas acima e abaixo, entupiu sua Parati de garrafas pet, embalagens plásticas, vidros, latas de todo o tipo, papéis, livros, jornais etc. Coisas que eu, fio isolado, venho retendo há bastante tempo, desde quando a vida me separou da teia a que pertencia.

Há muitos anos não consigo jogar embalagens recicláveis no lixo coletado pelo Serviço de Limpeza Pública. Desde que li, em um artigo científico, que as projeções mais otimistas de esgotamento de recursos naturais e da própria capacidade do planeta em absorver nossos resíduos exigiam providências sérias e imediatas por parte da humanidade. Esse artigo, veiculado (salvo engano) em uma edição da Revista Ciência Hoje, já fez Bodas de Prata.

Eu logo me lembrei das bactérias do iogurte, que estudávamos nas aulas de microbiologia, no curso de Laticínios. Trancafiadas em um tubo de ensaio, as criaturas se desenvolviam bem até que, antes mesmo de acabarem-se os nutrientes, o meio de cultura se tornava inóspito devido ao excesso de resíduos do metabolismo delas próprias. E as bactérias morriam.

Enquanto tive automóvel, roubava uns minutos de outras atividades e entregava os materiais recicláveis, separados cuidadosamente ao longo da quinzena, no Lar Divina Providência do bairro Iguaçu. E dormia tranqüila por estar fazendo minha parte no cuidado com o planeta e, de lucro, estar também contribuindo para a manutenção daquela instituição filantrópica.

Mas o automóvel foi-se. Ficaram os princípios e, com eles, o lixo reciclável. O lixo acumulando e, eu, fio desgarrado, procurando uma teia funcionante. Fiz contato com a instituição, verificando se poderíamos estabelecer uma rotina de coleta. Infelizmente, para todos nós, ela não possui verba para manter tal serviço. Falei com voluntários de outras instituições e o máximo que consegui foram ações esporádicas de coleta, que não puderam prosseguir sistematicamente. Coisas de conciliar horários, disponibilidades etc. e tal.

Entulhada de tranqueiras, para horror de amigos e curiosos, permaneci fio isolado, fiel aos princípios, por graça da santa Terezinha, solidária e tolerante aos contratempos que esse tipo de estocagem causa em uma residência.

Mas a sensação de inutilidade de um fio isolado é enorme. Desoladora.

Foi essa alegria que a Veraranha me devolveu. E ainda me agradeceu, pode? A Vera apareceu aqui em menos de 48 horas após seu telefonema, colocou todo o material que eu possuía no carro e foi para a casa dela separá-lo e organizá-lo. De lá, ia encaminhar cada coisa aos respectivos parceiros da Confraria Santa Terezinha do Bela Vista, instituição da qual ela participa. Tudo isso na maior disposição e alegria, depois de ter dado suas aulas de biologia na Escola Maurílio Albanese, é mole?

Pois a danada me deu um “chá de ânimo” e já vou avisando à vizinhança do Imbaúbas: minha garagem estará à disposição de todos para que, nas sextas-feiras, deixem suas sacolinhas com material reciclável, até as 12 horas. Porque a Veraranha já combinou de passar por aqui todas as sextas, após este horário, para recolher o que tiver.

Se para ela, no seu único dia de folga da escola, pegar o carro, recolher, separar e entregar o material aos beneficiários, não é complicado, eu é que não vou achar difícil receber e manter, em minha garagem, por menos de 6 horas, as sacolinhas trazidas pela minha vizinhança. E tenho certeza de que, para os meus vizinhos, não será problema deixar de jogar no lixo o material reciclável e, após remover eventuais resíduos, guardá-lo separadinho em sacolinhas plásticas, até a sexta-feira, dia em que poderão trazê-lo até meu endereço, não é mesmo?

Certamente há quem argumente que isso é obrigação da Prefeitura. Realmente, a prefeitura existe para cuidar dos problemas comuns que a ela delegamos. Entretanto, antes mesmo que tivéssemos consciência da necessidade de tratar separadamente esse tipo de resíduo, a prefeitura já existia. Por isso, os serviços urbanos foram planejados para uma demanda diferente da atual. Ao delegar à Prefeitura mais esta tarefa precisamos ter consciência de que, em contrapartida, ela precisará de mais recursos financeiros. Isso talvez signifique aumentar o valor dos impostos que pagamos. Pois é assim que o custo dos serviços públicos é rateado entre nós, os cidadãos. Se os serviços aumentam, obviamente aumenta a conta.

Enquanto não decidimos quem faz o que, prefiro me incorporar à teia da Veraranha e ir fazendo o que é possível para diminuir o lixo acumulado nesse nosso planetinha. Acho até que, se o poder púbico assumir a coleta seletiva, deveria ser algo que envolvesse as instituições filantrópicas e o trabalho voluntário. É muito bom a gente sentir que pode fazer alguma coisa, deixar de delegar aos outros por alguns minutos e colocar a mão na massa, a gente mesmo.
Você pode não concordar comigo, mas saiba que foi justamente esta satisfação que a Veraranha me devolveu. Nosso planeta está por um fio e é gratificante saber que eu posso ser um a mais. Não custa experimentar, custa?
(escrito em fevereiro de 2003)

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